quarta-feira, 13 de agosto de 2008
Tássia Novaes

faz exatamente um ano. estava em Santa Cruz de La Sierra, o centro rico da Bolívia, pra gravar o documentário. na esquina da rua do albergue Bolivar, onde estava acomodada com o resto da equipe, uma placa de conexão Wi-fi me fez entrar no café de decoração charmosa. nunca consegui acessar a internet daquele lugar. mas esse é um detalhe que pouco importa. foi lá que conheci el camarero más guapo del mundo. sem dúvida, esse saiu direto dos meus sonhos. argentino, de Salta. pele clara, olhos verdes. queixo quadrado estilo homem de verdade, lábios definido estilo beije-me se for capaz. cabelo tom castanho claro caído no rosto sem corte definido. fala forte, devidamente apropriada à nacionalidade latina. olhar deslumbrante. era ele quem sempre me atendia. sempre. e sempre vinha na mesa perguntar qualquer coisa. nem que fosse pra saber se a água servida estava na temperatura desejada. nem que fosse pra limpar o suor da garrafa gelada que ainda nem tinha transpirado a ponto de carimbar uma rodela ensopada na mesa de madeira século XX. e assim a gente conversava e conversava. a cada troca de pratos, olhares. a cada nova taça de chopp um sorriso denunciava. a gente se entendia. el camarero sabia o poder da sua beleza. foi o único a contrariar a tendência da viagem. estar acompanhada 24h por quatro homens é que nem mascar um dente de alho: ninguém encosta. el camarero não se intimidou. um dia, no café da manhã, recebi um bilhete entregue na recepção do albergue. era um convite irrecusável com horário, intenções e endereço. gostei da letra, as frases seduziam, combinavam com a voz. perfeição inegável arrematada por todo aquele conjunto milimetricamente esculpido por deuses latinos. o expediente do rapaz terminava tarde, a minha rotina pautada no presidente era puxada, mas valia a pena ficar acordada. ahhhh, valia. era de renovar ego, corpo, humor e espírito. filho de jornalista abandonou a faculdade de economia para jogar futebol em um time da segunda divisão na Bolívia. projeto faliu, virou garçom. a gente podia conversar sobre qualquer coisa que dava certo. podíamos ficar em silêncio que dava certo também. tínhamos ainda a natureza a nosso favor. na madrugada cruceña, o churasco, vento gélido de mais de 60 km/h vindo desgovernado da Patagônia argentina funcionava melhor do que cupido. gastamos horas contando estrelas. pulamos apenas as juras de amor. deixei a cidade uma semana depois. tenho endereço, telefone, email. nunca retornei. o bilhete está guardado com carinho numa caixinha. pra lembrar que não foi sonho. viver é mesmo algo divino.;
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